https://jkrishnamurti.org/content/%EF%BB%BFjkrishnamurti-ommen-4th-public-talk-10th-august-1938

Quarta Palestra em Ommen, Holanda

Cada um de nós tem um problema peculiar e particular. Alguns estão preocupados com a morte, o medo da morte e o que acontece a seguir; alguns estão tão solitários em suas ocupações que procuram um modo de superar esse vazio; alguns estão tristes; alguns sentem tédio com a rotina do trabalho e outros, problemas de amor e suas complexidades. Como todos esses problemas ou cada um deles pode ser resolvido? Cada um deve ser resolvido separadamente, desconectado dos outros, ou devemos investigar cada problema e então chegar ao único problema? Há, então, apenas um problema e, investigando cada dificuldade, chegaremos ao único problema através do qual, se o entendermos, resolveremos todos os outros?

Há apenas um problema fundamental, que se expressa de diferentes formas. Cada um de nós está consciente de uma dificuldade particular e deseja tratar dessa dificuldade por ela mesma. Ao resolver um problema específico pode-se eventualmente se chegar ao problema central, mas durante o processo a mente fica cansada e adquiriu conhecimento, fórmulas, padrões que realmente atrapalham a compreensão do problema central. Alguns de nós tentam seguir o problema até sua origem e no processo de investigação e análise, vamos aprendendo, acumulando o chamado conhecimento. Esse conhecimento gradualmente vira um padrão, uma fórmula. A experiência nos deu memórias e valores que guiam e disciplinam e, inevitavelmente, condicionam.

Ora, são esses padrões e memórias autoprotetoras, esse conhecimento acumulado, essas fórmulas, que nos impedem de alcançar o problema fundamental e resolvê-lo. Se formos confrontados com uma experiência vital e tentarmos compreendê-la com memórias mortas, valores, simplesmente vamos pervertê-la, juntando-a à acumulação morta do passado.

Para resolver esse problema da vida você deve ter uma mente fresca, nova. Um novo nascimento deve ocorrer. Vida, amor, realidade são sempre novos e mente e coração viçosos são necessários para compreendê-los. O amor é sempre novo, mas esse frescor é deteriorado pelo intelecto mecânico com suas complexidades, ansiedades, ciúmes e assim por diante.

Nós nos renovamos, há um novo nascimento a cada dia? Ou estamos apenas desenvolvendo a capacidade de resistência através da vontade, do hábito, de valores?

Estamos apenas reforçando a vontade de resistir de formas diferentes e sutis. Então a experiência, em vez de nos libertar nos dando a possibilidade de renascer, está nos condicionando, nos amarrando às acumulações do passado, ao conhecimento acumulado que é ignorância e medo. Isso deturpa e destrói a libertadora força da experiência.

Este é o problema fundamental – como renascer ou se renovar. Você pode se renovar através de fórmulas, através de crenças? Não é absurda a ideia de que você pode se renovar através de modelos, ideais, padrões? Pode a disciplina forçada ou auto-imposta resultar no renascimento da mente? Isso também é impossível, não é? Por meio de slogans, repetição de palavras, instituições, com o trabalho do outro você pode se renovar? Talvez momentaneamente, enquanto está me ouvindo, você sinta a impossibilidade de se renovar através de um método, através de uma pessoa e assim por diante.

Então o que nos renovará? Você percebe a necessidade vital de ser renovado, de renascer? Para entender a vida, com todos os seus problemas complexos, a realidade, o desconhecido, tem que haver a morte constante e um novo nascimento. De outra forma você encontrará novos problemas, novas experiências, com acumulações mortas, que só limitam, causando confusão e sofrimento.

Estamos, então, diante dessas memórias acumuladas e fórmulas, crenças e valores que atuam constantemente como um escudo, como uma resistência. Se tentarmos remover essas resistências, essas proteções simplesmente pela vontade, pela disciplina, a mente não se renova. E ainda assim temos o poder, a única força que pode libertar e pode renovar, e ela é o amor – o amor, não o ideal, não a fórmula, mas o amor do homem pelo homem. Mas nós restringimos esse amor com a moralidade da vontade, pois existe o desejo de satisfação, e seu medo. Aí o amor se torna destrutivo, limitado, em vez de libertador, renovador.

Nós vemos esse processo de escravidão e dor no nosso dia a dia. Só no dia a dia, com suas relações e conflitos, seus medos e ambições, você começa a perceber a força renovadora do amor. Esse amor não é sentimento. Sentimento, afinal, é, simplesmente, a incapacidade de sentir profundamente, integralmente, e, portanto, mudar fundamentalmente.

Interrogante: Gostaria de saber por que algumas vezes sou muito preguiçoso para me renovar?

Krishnamurti: Você pode sentir preguiça por se alimentar mal, mas tendo um corpo saudável – isso garante o renascimento da mente? Você pode estar em silêncio, aparentemente preguiçoso e, ainda assim, extremamente vivo.

Interrogante: Para renascer devemos nos esforçar.

Krishnamurti: Você não pode se renovar com o peso do passado, e percebendo isso você pensa que precisa fazer um esforço para se libertar. Estando confuso você acha que para se livrar disso precisa ter disciplina, precisa fazer um esforço para superar isso, de outra forma a confusão vai crescer e continuar. É isso que você quer dizer, não é? Ou você se esforça para ficar quieto a fim de encontrar uma forma e meios de superar essa confusão e conflito, ou você se esforça para ver as causas de modo que possa superá-las; ou você está intelectualmente interessado apenas em observar – mas precisamos não nos preocupar com os chamados intelectuais. Ou você aceita o caos, a luta ou tenta superar o sofrimento; ambos envolvem esforço. Se você examinar o motivo desse empenho, vai perceber que há o desejo de não sofrer, o desejo de fugir, de se satisfazer, de se proteger e assim por diante. Fazemos esforço para superar, para entender, para transformar aquilo que somos naquilo que queremos ser ou pensamos que devemos ser. Esse esforço todo não produz uma série de novos hábitos no lugar dos antigos? Os hábitos antigos, os valores antigos não lhe proporcionaram o ideal, a satisfação, então, você se esforça para estabelecer novos ideais, uma nova série de hábitos e valores e satisfações. Esse esforço é considerado digno e nobre. Você está fazendo esforço para ser ou não ser algo segundo uma fórmula ou padrão preconcebido. Então, não pode haver renascimento, apenas a continuação do antigo desejo sob uma nova forma que logo cria confusão e tristeza. De novo há o empenho da vontade de superar o conflito e a dor. De novo fica-se preso no círculo vicioso do esforço. Não importa se é o esforço para encontrar a causa do sofrimento ou o esforço para superá-lo.

O esforço é feito para superar o medo descobrindo suas causas. Por que você quer descobrir a causa? Não é porque você não quer sofrer, você tem medo de sofrer? Então você espera que sendo indulgente com o medo, todo o medo desaparecerá. Isso é impossível.

Agora, você se esforça para descobrir a causa da alegria? Se fizer isso, a alegria cessa e apenas suas memórias e hábitos existem.

Interrogante: Então, pela análise, o medo deveria desaparecer assim como o prazer quando examinado. Por que isso não acontece?

Krishnamurti: A alegria é espontânea, impensada e quando a mente a analisa para cultivá-la ou reavê-la, já não é mais alegria. Por outro lado, o medo não é espontâneo, exceto em incidentes repentinos e imprevistos, mas é sedutoramente cultivado pela mente em seu desejo de satisfação, de certeza. Então se você se esforçar para se livrar do medo descobrindo suas causas e assim por diante, estará apenas acobertando o medo, pois o esforço é da vontade, que é resistência criada pelo medo.

Se você compreende esse processo integralmente com todo o seu ser, então do meio dessa chama de sofrimento, onde não há desejo de escapar, de superar – nessa confusão surge uma nova compreensão espontaneamente brotando do solo do próprio medo.

10 de agosto de 1938